segunda-feira, julho 31, 2006

Test-drive

‘Leve esta menina, está como nova e dá-lhe para tudo’ – disse o Sr. Amílcar da oficina, com um ar tão convicto que lhe revirava, ainda mais, o bigode.
‘Olhe é como iniciar uma viagem que não sabe como vai acabar’ – continuou ele – ‘Troca o seu posto de coisa pública, e sai por aí livre, como só o pensamento deve ser’.
O Sr. Amílcar, um homem avantajado, meio século de vida, ar sábio e sereno, mãos sujas e firmes, dedicou toda a sua vida à compra, venda e reparação de viaturas. Agora, passados anos de experiência, acreditava sinceramente que escolhia a viatura certa para quem procurava os seus serviços. Um transporte para a felicidade de cada um, mas, como nunca tinha sido feliz encarava este dom como um certo peso.
Quando viu aquela figura entrar na oficina, teve a certeza de qual era a opção correcta. Ia ser feliz ali, ia partir, para se encontrar, e talvez voltar.
Ajeitou-se na cadeira estofada de azul, fixou-a quase com saudade e esperou uma resposta…

Levo-a, se não me habituar ao estilo de vida devolvo-a…

domingo, julho 30, 2006

Contemplação

Esqueci o que está para trás e não ansiei pelo que ainda está lá à frente.
Só olhei para cima.

Vi 7 estrelas cadentes e não pedi desejo nenhum.

sexta-feira, julho 28, 2006

Festa


Preparei aquela noite até ao mais ínfimo pormenor.
Os convites, a decoração, a iluminação, o som, a comida, o meu look… Todos os detalhes mereceram a minha dedicação nos últimos 8 meses.
Queria que tudo fosse perfeito…
A Lua, compreensiva, cheia de força, acompanhou as tochas num extraordinário festival de cores.
Os convidados de honra, eles de smoking, elas cobertas de lantejoulas, reluziam no jardim, cada um com o seu copo de cocktail na mão. Todos sorriam, apesar de nem todos estarem felizes…
No bar, raparigas lindas de pernas altas, serviam doses avantajadas de whisky. Elixir dourado desibinidor para os mais tímidos...
Os empregados presenteavam os convidados com as suas bandejas de canapés, fazendo lembrar um batalhão de formigas em acção.
A orquestra, que tocava na perfeição as pautas ensaiadas, era guiada por um esguio e vaidoso maestro de madeixas desgrenhadas.
E eu lá andava, esvoaçante no meu vestido decotado, orgulhosa do meu feito, a distribuir sorrisos e a receber beijos congratulantes. Com o coração cheio de amor e adrenalina, que bom!
Depois do majestoso fogo de artifício iríamos abrir o baile com uma valsa.
(O que nos rimos a tentar aprendê-la, até encontrarmos a nossa sintonia.
Os pés magoados, as costas doridas e o cansaço da melodia repetida vezes sem conta, não nos fizeram desistir. Lutámos, e encontrámos o encaixe perfeito. Eu e tu, numa valsa, quem diria!!!!)

O meu olhar, num relance, procurou-te por toda a festa. Não te vi.
Reconhecer-te-ia só pelo vulto, pelo cheiro. Não estavas lá.
Desmoronou-se a minha alma, e ficou presa aos meus pés.
Paralisada, não consegui fugir. Bombardeada por expressões intrigadas e reprovadoras, adoptei este velho vício de cantarolar para mim:

It's my party and I'll cry if I want to
Cry if I want to, cry if I want to
You would cry too if it happened to you

quinta-feira, julho 27, 2006

Tempestade

Vou ficar por aqui o tempo que for preciso. Já decidi.
Ainda tentei lutar contra os elementos, mas a chuva forte e o vento não deram tréguas ao meu guarda-chuva. Ficou rasgado, dobrado, partido, sem varetas…
Com nuvens negras, escuras, pesadas sobre a minha cabeça, fui saltitando por cima das poças, até chegar aqui.
Voltei a vestir a camisa de noite de princesa, fechei os olhos e dei o suspiro mais demorado que consegui.
Que caia o mundo à minha volta, que eu nem sequer abro os olhos, até a tempestade passar!

Se trovejar, talvez chore um bocadinho, mas não faz mal, ninguém vai ver.

quarta-feira, julho 26, 2006

Esqueci-me

da roupa no estendal, esta manhã.
Depois de um sono intermitente e de sonhos cheios de interferências, bebi sumo de forças fresco (quase no fim); evitando o espelho, arranjei-me; agarrei nos tupperwares, nos dossiers, na agenda e na mala sport billy, e obriguei-me a ir cumprir a minha jornada de trabalho…
Pelo caminho lembrei-me da roupa que deixei no estendal… Vai lá ficar o dia todo, ao sol, à chuva, ao vento…
Os lençóis às riscas, as toalhas vermelhas, o meu top preto, as calças da praia e aquela túnica que me ofereceste… esquecidos no estendal.
Agora que penso nisso, acho que por entre a roupa também deixei pendurados alguns beijos de olhos fechados, abraços pedidos, amigos preocupados, pais zangados e decisões. Deixei penduradas muitas decisões.

Será que as molas aguentam tanto peso até ao final do dia?

terça-feira, julho 25, 2006

O mundo a meus ombros


Às vezes o mundo anda aos nossos ombros, como uma criança. Pesa-nos sobre os ombros e agarra-se à nossa cabeça. Às vezes, até nos puxa os cabelos. Magoa-nos. Tapa-nos os olhos, faz-nos tropeçar e perder o norte.
Sentimos o seu peso, mas não o podemos deixar cair. Não vá o mundo partir-se, irremediavelmente, em mil pedacinhos.
Pacientemente, vamos levando o mundo connosco, como que numa deambulação com vista panorâmica sobre nós próprios…
Neste passeio vamos encontrando outras pessoas, umas com os seus mundos às costas (a procurarem a posição ideal para o transporte) e outras a passearem pelos seus mundos, felizes porque encontram na redoma que construíram, tudo o que precisam. Pessoas com sorte (ou sabedoria)!
Com jeito, de tempos a tempos, aliviamos o esforço, quando o mundo, distraído, adormece sobre nós. Em silêncio, colocamo-lo ao nosso lado, bem pertinho, para não lhe faltarmos quando ele, inevitavelmente, acordar. Pausas preciosas, que aproveitamos para encher os pulmões de ar.
Podemos andar assim com o mundo, durante muito tempo, o suficiente para nos esquecermos de como era viver sem ele...
Mas, quando menos esperamos, o mundo transforma-se num simples balão de hélio (com formas e cores variadas) e parte de nós. Vai subindo até o perdermos de vista, para nunca mais voltar.
Depois do alívio inicial (que dura o que tiver que durar), sentimos vazio e saudade, e não descansamos enquanto não encontramos outro mundo para carregar…

O meu é um mundo gordo, pesado... mas já o tenho há tanto tempo...

segunda-feira, julho 24, 2006

Obrigada


Como pessoa crescida que sou, às vezes esqueço-me que a felicidade está nos momentos mais simples, aqueles que acontecem mesmo entre os nós da vida.
Hoje, no mundo dos pequenos (só em tamanho), ensinaste-me (ou lembrei-me) que dar e receber é muito simples e faz muito bem à alma.

Por isso, (e por tudo o resto), vamos continuar a passear?

domingo, julho 23, 2006

Lá vai ele...


Não leva um castelo às costas,
mas, de certeza, que tem o que lhe faz falta...

E, até aposto, que tudo lhe vai correr bem...

sexta-feira, julho 21, 2006

A Casa onde moro!


Quem não a conhece, tem aqui uma breve visita guiada, aperitivo para algo mais.
Quem a conhece, sabe que é tudo verdade!
É assim…
Rodeada por um jardim de folhas e frutos secos,
é um castelo sem guarda e sem rei,
com masmorras perigosas de portas entreabertas!
A luz calma invade-a de dia, mas a noite assalta-a com mil sussurros!
No salão de baile existem duas janelas confusas,
uma pensa que é porta, outra queria ser televisão!
A luz verde indica a ala dos sonos,
onde os colchões brincalhões aprenderam a voar
e nos fazem acordar em sítios sempre diferentes!
As festas de recepção, com seres inimagináveis,
fazem-nos esquecer os motivos que nos levaram lá!
Não tem regador, ferro de engomar, cortinados nem muitas outras coisas (que não me fazem falta nenhuma)!
Mas tem música, que me acompanha,
e tem sido fonte de mil palavras, que me ensinam a pensar.
É assim…
E é neste castelo, hesitante entre o fantástico e o melancólico,
onde me tento encontrar (ou perder)…

Ah… também tem um astronauta encostado à parede cor-de-laranja…

quinta-feira, julho 20, 2006

Desejo...


Que se libertem as palavras, que carrego com medo e me turvam o coração...
Que se diluam no vento, e que
Não voltem com a maré, nem com a lua cheia
Que se disfaça este nó, que me faz gritar em silêncio
Que se quebre o feitiço da mudez, caldeirão cheio de lágrimas.

E que em troca das sílabas não ditas, possa saborear novos sorrisos.

quarta-feira, julho 19, 2006

Esvoaçando...


Depois de um período que me pareceu interminável, voltei a andar sobre quatro rodas.
A alegria quase me fez esquecer os calos e as dores de pernas, maleitas recentes provocadas pelas minhas longas caminhadas.
Já conseguia ir ter contigo… essa ideia enchia-me o coração.
Ao espelho, procurei ficar bonita.
Revigorada, cheia de força, alegre, pus-me a caminho.
A cantarolar, imaginei as conversas, os risos, os abraços da noite que ainda agora estava a começar…
Senti-me a voar. Por entre as nuvens, lá em cima, vi como tudo se transforma em pequenino quando nos sentimos grandes por dentro. E que tudo pode ser relativo, quando ainda não conseguimos definir a nossa realidade.
Corri, voei, voei, voei e voei… mas nunca mais chegava…
Tentei vários caminhos, pedi indicações, consultei mapas e arrisquei trilhos.
Se, por momentos, algo me parecia familiar, logo a seguir gelava com a ideia de estar perdida.
A expectativa inicial foi-se transformando em ansiedade, e as alturas começavam a provocar-me vertigens…
Senti que estava cada vez mais longe, por isso voltei, já não havia nada a fazer.
Não estava triste nem zangada… mas tinha tanto sono.

Talvez tenha sido só um sonho mau…

terça-feira, julho 18, 2006

Se fosse em 2050...


Avariei-me…
O painel de controlo, instalado na minha nuca, deu o sinal esta manhã.
Ouvi o alarme sonoro de auto-diagnótstico, senti-me quente e sem forças. Cansada, completamente esgotada. Se ainda fosse permitido, acho que tinha chorado...
Conforme o previsto nestas situações, teletransportei-me para o serviço de saúdeware da minha zona de residência.
O diagnóstico foi-me transmitido em poucos segundos:
‘A sua máquina tem Amor a mais’
Sim, eu sei que devia ter mais cuidado comigo. Estas máquinas, hoje em dia, estão pouco preparadas para os sentimentos...

Fiquei com uma dúvida, estou a dar a menos ou a receber a mais?

segunda-feira, julho 17, 2006

Frio na Alma


Hoje tivemos que acordar cedo, que pena. O nosso sono era tão bom, quente e doce.
Lá fora estava frio, nem sabíamos o que íamos encontrar porque o embaciado da janela não deixava.
Com o teu sorriso meigo – hoje nervoso – preparaste tudo o que precisávamos. Conheces-me tão bem. Fizeste-me assim.
De pés enregelados, encolhidos, curvados sobre nós, pesados, saímos de casa.
Protegeste-me com o teu braço, agarrei-me à tua cintura, como se com estes gestos tivéssemos decidido – ‘Não vamos ter medo’.
Quando pelo caminho, sussurrava – ‘Gosto muito de ti’, as palavras pareciam bolas de fumo que se desfaziam antes de chegar até ti.
Chegámos ainda o dia estava indeciso.
Os nossos corpos, na praia, olhavam o infinito, sabíamos como ia ser. Tu primeiro, eu depois. Como tínhamos decidido e combinado, vezes sem conta.
Nasceu o sol, com ele um pouco de calor.
Preso na minha garganta um ‘Não vás’, que não podia ser dito, porque escondia um ‘Preciso de ti’.
Já estava inundada de tristeza, de joelhos trémulos, vazia de alma, quando sorriste e disseste – ‘Eu sei’.
Encheste o peito de ar, tiraste as mãos dos bolsos e com um olhar determinado afirmaste – ‘Conheço outro caminho’.
Esse era para o lado oposto, nunca tínhamos falado sobre ele e não sabemos para onde vai…

E eu, tenho tanto frio, posso ir para casa?

domingo, julho 16, 2006

Mãos Mágicas

Existem vários tipos de mãos.
Mãos calejadas, doridas. Mãos de artista, criativas.
Mãos que fumam, amarelas. Outras sensuais, de unhas vermelhas.
Gordas, magras, grandes e pequenas…
Umas semeiam, outras colhem. Algumas fazem ambas as coisas.
Velhas, enrugadas. Acabadas de nascer, cor-de-rosa.
Mãos contentes, a bater palmas. Mãos tristes, que dizem adeus.
Mãos egoístas, que não sabem dar, mentem e roubam.
Mãos generosas, que dão o que já não têm.
Cada um tem as mãos que tem, e é com elas que vamos todos trepando pela vida.
Descobri que as minhas são especiais, mágicas.
Tocam, quando não estão.
Arranham no coração.
Agarram o vazio.
Viajam nos sonhos alheios, de forma circular e suave.
Deixam cair recados invisíveis para quem os souber, e quiser apanhar.
Em forma de concha, seguram alegrias e tristezas.
São punhos cheios de força, quando já estou a dormir.
Baralham emoções e dão recordações.

Que mãos são as tuas?

sexta-feira, julho 14, 2006

Momento único


Ontem, ao pôr-do-sol, senti Harmonia.
Vi-a e ouvi-a.
Era um diamante insuflado por sons e luzes, onde as flores reinavam.
Breve como um suspiro de contentamento, arrancado de um sonho mau.
Envolta numa nuvem de borboletas, poisei, absorvi e parti.
Fez-se noite, fez-se dia…
Acordei sem nada.

Obrigada Força da Natureza por esta dádiva!

quinta-feira, julho 13, 2006

A Viajar


A escolha era difícil…
Na mão esquerda segurava o algodão doce, aquela nuvem pegajosa quase maior do que eu, que me custava manter direita.
Na outra mão esvoaça o bilhete para o carrossel.
Apesar de pequenina, sabia que era uma oportunidade única, a feira raramente ia à aldeia, e aquela era a última noite.
Não foi a música melancólica, nem as luzes dissonantes, nem tão pouco os bonecos já gastos que me empurraram para o rodopio embriagante.
Pelo simples prazer da aventura – deixei a minha nuvem de açúcar – e pus os meus pés vestidos de verniz na primeira charrete que encontrei. Apesar de ter lugar para dois, estava sozinha. Alisei o meu vestido lilás sobre os joelhos, endireitei as costas, enrolei um caracol solto, e lá estava eu… que nem uma princesa na sua charrete pronta para uma breve viagem.
As sirenes tocaram e deixei-me ir!

Ainda lá estou... era preciso comprar bilhete de volta?