Ultimamente tenho dormido em casa da minha avó, a cumprir a minha missão de dama de companhia à última Rainha!
A minha avó mora num castelo onde reina com delicadeza e encanto.
Foi aqui que cresci, que passei a minha infância, mas apesar disso, agora, parece-me que este castelo estranha a minha presença, não me quer, não me reconhece, ou não me respeita…
As formas, as cores, as luzes, as texturas, os cheiros são os mesmos.
Subo pelos mesmos degraus, espreito pelas mesmas janelas, durmo na mesma cama.
Mas já não o sinto, as suas muralhas já não me protegem, já não me mimam.
Este castelo está zangado e aponta o seu dedo gigante para mim interrogando-me: O que andas tu a fazer? Os espelhos, enfeitados de cristais, também perguntam: Quem és tu, que já não ris?
Entre sonos, vou ganhando tempo para passear pelos corredores intermináveis onde sou espiada pelos olhos dos quadros que ganham vida. Os mais curiosos são os antepassados de bigode revirado e cartola debaixo do braço!
Percorro, a medo, as sedas e as finas texturas, que se encolhem à passagem dos meus dedos.
Ouço, no falso silêncio, as dezenas de relógios de ponteiros que me tentam desconcentrar enquanto brinco com o jogo de luzes produzido pelos imensos cristais do lustre do salão.
Balanço no tempo, imagino-me a menina que fui, ao colo da minha avó, enquanto a vejo deitada.
Procuro aqui porto seguro, quando sei que já soltei amarras há muito, para correr atrás de um sonho que agora não me deixa dormir…
Ontem à noite, no castelo, no quarto de princesa, quando estava quase acordada ou ainda a dormir, pareceu-me ouvir uma fada a dizer baixinho:
…podemos sempre chegar à conclusão que crescemos enquanto pessoas…